O Coronel Antunes ainda não havia se adaptado à situação. Aliás, nunca se adaptaria. Era fato consumado: os negros estavam no direito de livre escolha. A sua fazenda era uma das únicas que ainda tinha escravos quando a liberdade se fez lei. E ex-escravos vagavam nos arredores, consolidando os seus quilombos, que já tomavam ar de vilarejo.
O Coronel precisou recomeçar a vida da fazenda e decidiu que não ia dar um só tostão a nenhum negro metido a assalariado. Fez das suas terras um reduto de brancos, filhos dos portugueses mais puros que conseguiu reunir- ainda que seja este povo já tão miscigenado. De qualquer forma, os negros estavam renegados naqueles confins.
Na sede do município, a verdade já se fazia. Os negros com sua alforria, coloriam a cidade e aquilo dava a atacar a gastrite do Coronel. O colorido daquele povo, seus tecidos em azuis e amarelos vibrantes, colares de contas de todas as cores, sorrisos reluzentes em lábios vermelhos, cores vivas por toda a praça da matriz. Por conta daquela imagem, decidiu Antunes abolir da sua fazenda, a cor. Só era permitido o vermelho massapê e o verde canavial. Todas as outras coisas tinham que ser esmaecidas, como que vencidas pelo tempo, num eterno inverno rancoroso. Dizem que até o céu por lá ficou cinza ou de um azul desmaiado.
E assim viveu a fazenda, que virou povoado, vila, cidade. Nunca houve cores vivas por lá.
Sem que aquela gente se desse conta, a vida por ali foi mudando. Sem o vermelho, o laranja, o amarelo, sem o azul gritando e o lilás, o máximo que as pessoas que ali viviam conquistavam era um gostar muito morno de um pelo outro. A paixão foi morrendo aos poucos, e o amor se fez insosso entre o povo daquela pequena cidade.
Mas, um dia, Seu Eulálio descobriu a causa da angústia que a tanto tempo lhe assolava. Estava sofrendo porque ardia de paixão por Dona Catarina. O sentimento não cabia mais na paisagem contida e Seu Eulálio achou que ia explodir como uma partícula no vazio, ocupando, em pedaços, toda aquela atmosfera. A cidade sem cor não suportava a sua paixão radiante e poderia ser aquele o último dia de um amor eterno.
Chegou desconfiado, mas, decidido. Sentou-se como de costume ao lado de Catarina, suava frio como as cores da vida ao seu redor. Tirou de dentro do peito um maço de pétalas amassadas do que fora outrora uma rosa vermelha.
Ouviram-se tambores ressoarem na cidade naquela cândida tarde.
Obs: A foto foi tirada em Mato Grosso, distrito de Rio de Contas, na Chapada Diamantina-BA (uma cidade com cores vivas o suficiente, aliás). Na verdade, achei que fossem camaleões se escondendo de um entruso com uma máquina fotográfica.
Mas há um fundo de verdade no conto. Mato Grosso manteve por muitos anos seus descendentes sem relações com o povo quilombola de Barra e Bananal. O lugar se tornou um museu étnico vivo.
Pablo... genial seu blog, seus textos, suas fotos... merece virar livro... e estarei no lançamento pra pegar seu autografo... parabéns...
ResponderExcluirNão costumo elogiar o que não gosto... se estou dizendo isso tudo é por que eu realmente acho.
É lindo.
Igor Penna
"...achou que ia explodir como uma particula no vazio, ocupando, em pedaços, toda aquela atmosfera."
ResponderExcluirPutz bicho, isso é lindo demais. Tao lindo como o conto todo. Um viva pro Pablito escritor, um prazer.
Sou visitante assidua, viu?
beijinhos,
carla.
Meu caro a maça já esta beeem mais mordida, mas já viu como sao os putos "eufemismos" do mercado. Mesmo o "bom" cliente, no fundo é mau.
ResponderExcluirBeijos grandes e abraço,
carla
Fiquei tão encantada que cheguei a ouvir os tambores. Você é mágico !
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