Maurício era advogado. Trilhou uma carreira diferente do pai, jornalista e distante da mãe, dona de casa. Maurício cresceu querendo ser advogado e não parou mais de querer crescer, o que de certa forma o desconectou da própria infância.
Estudou numa escola particular, uma das mais caras da cidade, ao custo de um esforço desmedido do pai para lhe dar uma educação de qualidade. Ali, Maurício decidiu o seu caminho. A ascensão social foi o que sempre lhe encheu os olhos, desde os primeiros dias da sua vergonha adolescente pela brasília velha e enferrujada buzinando na hora da saída.
Com muita determinação conquistou entre outras coisas o tão almejado acesso à alta sociedade. Naquela sedutora e pequena parcela de pessoas sobre a face da terra, transitava com desenvoltura e era respeitado. Neste meio, conquistou a maioria dos seu clientes e os recentes amigos. Perdeu o contato com os amigos da infância na velha rua de pedra do bairro da Ribeira. Cabeça, Baleia, Cueca e Ratinho já não passavam de apelidos dissolvidos numa memória anuviada dos babinhas com traves de sandálias havaianas.
A sua determinação lhe rendeu um bom apartamento em um bairro nobre da cidade, diferente, muito diferente da rua da sua infância. Tinha uma belíssima namorada. Mais nova, modelo, sempre presente nas colunas sociais.
A vida parecia-lhe domada, e Maurício sorria de alguma forma. Estava retesado na trilha que sempre desenhou nos seus sonhos, sem se desviar, sem olhar pra trás e sempre avante.
Um dia, amigos o convidaram para um passeio de veleiro numa famosa regata que penetra a Baía de Todos os Santos até a cidade de Maragojipe. Uma cidade que, como tantas outras do recôncavo baiano, transitou da bonança à inércia sem nunca perder a alegria, a pureza e nem os traços do seu passado.
O passeio foi bom. O barco era luxuoso e Maurício, orgulhoso, tirava fotos de Sabrina, sua namorada, aproveitando a belíssima paisagem que se estampava a cada curva que o barco cindia no meio das faixas de terra da Baía de Todos os Santos. Até que Maragojipe surgiu, sem convencer a si mesma de ser destino final.
O desembarque era disputado entre as canoas que se ofereciam para levar os turistas ao cais. Do cais partiam rústicas carroças, puxadas por jegues e destinadas a levar passageiros e bagagens aos modestos hotéis locais. Aos amigos de Maurício, tudo era pitoresco e engraçado. Maurício, ao contrário, parecia estar um pouco aturdido naquele dia. Nada era divertido e seu sorriso já estava difícil. Parecia estar enjoado, não com balanço do barco, mas com os excessos daquela paisagem e daquelas pessoas tão alegres sem nenhum motivo aparente.
Quando começou a anoitecer a estranha angústia já incomodava Maurício. Em um parque, no centro da cidade, uma barraca de maçãs-do-amor o atraiu. Talvez pelo vermelho vibrante e pelo brilho da casca corada de açúcar, desejou a maçã mais do que tudo. "Você vai comer isso?" - Perguntou Sabrina. Maurício não ouviu. O ranger das engrenagens enferrujadas nos velhos brinquedos lhe aturdiam ainda mais. O que sentia naquele momento o fez lembrar uma noite na qual ardia de febre aos cuidados da sua mãe. Seu corpo, sem peso algum, em um vazio conturbado, como no olho de um furacão.
Maurício mordeu a maçã-do-amor. A cidade, os amigos e a paisagem se dissolveram junto ao açúcar caramelado e ao sumo da maçã. O sabor amargo desapareceu e ele se viu flutuando em um nada preenchido por sons retumbantes transformados das velhas engrenagens. O doce se transformou em infância. Uma a uma começaram a surgir as coisas que realmente preenchiam aquele vazio: cadeira da roda gigante, um balão em formato de golfinho, uma criança sorrindo na varanda.
Maurício compreendeu naquele momento que, por maior que fosse, ainda seria insignificante, e a maçã-do-amor lhe mostrou o reverso da grandeza nas pequenas coisas. Findo o delírio, uma lágrima escapou dos seus olhos tristes.
Obs: A foto foi mesmo em Maragojipe, na noite após a regata, mas não por Maurício.
Conheço muito "Maurício" por aí que precisava tomar uma porrada dessa!
ResponderExcluirMassa!
Taí Pablo!
ResponderExcluirCada foto sua sempre valeu um conto! Agora vale pelo menos dois:
O que a foto em si conta, e mais o do fotógrafo!
Valeu
Arthur
O conto é tão verdadeiro e tão bonito quanto a foto e a maça do amor. Muito bom!
ResponderExcluirMorder a maçã trouxe Maurício ao seu real paraíso, voltando a valorizar tudo aquilo que ele fazia questão de deletar. Que sirva de sugestão a tantos equivocados que temos por ai...
ResponderExcluirPeu e Caloi, vocês são privilegiados.
Bjs da amiga,Anelise
porreta! boas lembranças de maragogô...
ResponderExcluirno csp teve disso não!!!
abraço.