Vejam vocês como a razão se perde nessa louca atividade humana a que chamamos futebol. Ele está nos meandros da inteligência, driblando sempre que ameaça se chocar com qualquer traço da lógica. E é por isso que, de Drummond a Damatta, sempre tem alguém querendo dar-lhe a classe de filosofia ou poesia. De razão, bem em verdade, o futebol não tem quase nada. Aliás, aproxima-se muito, mas muito mais mesmo da loucura. O que explica o desvio de Malengo.
José Antonio Araújo da Silva, Malengo por alcunha, era dali mesmo, do Pelourinho. Já havia sido sapateiro, vendedor de jornal, de fita do Senhor do Bonfim, de colar e de quase tudo que é badulaque comercializado por aquelas bandas.
Além daquela enxurrada de turistas repletos de aparelhos eletrônicos e luzinhas que piscam efluindo pelas ruas de pedra do bairro, sua vida era torneada por simplicidades. Poucas coisas, bastantes para o que Malengo resolveu que era a felicidade: a religiosa cervejinha, uma mulher amável, os amigos e o futebol. E uma coisa que não se podia contestar naquele rapaz era a sua honestidade.
Seu grande amor pelo futebol resumia-se em um clube, o Bahia. Do qual era o que se costumava chamar de torcedor doente, seja lá o que isso signifique. Embora fosse louco por Maryelice, o Bahia era o Bahia.
Maryelice era pintora. Vendia quadros no Pelourinho. Passou mal e quase desmaiou quando ouviu no rádio a trágica notícia sobre um desastre ocorrido em um jogo com o desabamento de uma parte das arquibancadas da Fonte Nova, e pressentiu que um dos mortos era Malengo.
- Que diacho que mulher tem mania de pressentir tudo! Gente como a porra, ia morrer logo eu? -
Malengo ainda festejava a vitória do time sem perceber que a angústia de Maryelice era mesmo um prenúncio da sua desgraça, que começava a acontecer naquele exato momento.
Ocorreu que aquela tragédia fora o motivo da aposentadoria do velho estádio. O seu clube não tinha mais local pra jogar dentro da cidade, o que reforçou a crise no futebol e afastou Malengo da sua grande paixão. A privação pesou-lhe a vida, vivida com tão poucos eleitos suficientes.
Até que um dia, o grande momento esperado: a inauguração de um novo estádio na cidade. Malengo acordou confiante. Vestiu a camisa do time colorindo ainda mais aquela manhã cintilante do Pelourinho.
- Meu docinho, minha vida, o estádio agora é vinte conto. É trinta em jogo bom que nem o de hoje...
- Meu nêgo, eu trabalho como a porra pra dar dinheiro pra você ver futebol?
- Não é futebol, neguinha, é o Bahia!
- Ôxe, e o Bahia é o quê?
- É minha paixão, igual a você! Já pensou se eu não venho te ver?
- Tenho não, Malengo. Me deixe trabalhar!
- Puta que o pariu, meu Deus!
Foi atrás do que lhe restava, o trabalho como vendedor. O dia foi passando e percebeu que o dinheiro não ia dar. Malengo foi tomado por desespero.
Ao cair da tarde, transtornado, viu uma bolsa de uma turista descuidada sobre a mesa de um bar e resolveu que esse jogo não ia perder.
Malengo correu até um beco. Cansado, olhou os cinquenta reais amassados na mão suada e trêmula e tomou um tapa da culpa que o fez sentar. Levantou aturdido e andou sem sentido por algum tempo. Foi ao encontro de Maryelice, segurou sua mão e chorou pelo único desvio que seu caráter lhe concedeu, sob a tutela de um amor incondicional, bastante para desmoronar-lhe a vida.
A Foto é lá no Pelourinho mesmo. De uma pintora desses típicos quadros do Pelô e um torcedor do tricolor de aço na preguiça (do torcedor e do time).
Mande para Sarney e sua corja. Será que vão conseguir entender ?
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