quarta-feira, 29 de julho de 2009

Inveja (Série: Uma Foto por um Conto)


Eu e Jonahtan nascemos no mesmo dia. E acho que essa foi a única coisa que tivemos em comum.

No nome já somos muito diferentes. Chamo-me Mariosvaldo, um desses nomes híbridos dos desejos mal resolvidos dos pais. Jonahtan, chama-se Jonahtan, o que, em si, já é uma vitória esmagadora da personalidade dele sobre a minha. O nome dele é dos Estados Unidos, o meu é Mariosvaldo, de lugar nenhum.

Crescemos juntos, mas não proporcionais. Eu sempre fui mais baixinho e franzino e Jonahtan parece ter freqüentado academia desde o útero da sua mãe. Sempre teve o corpo bem definido, proporcional, com uma agilidade felina, rápido e elegante.

Eu até pensei que a vida devia equilibrar as pessoas dividindo um pouco as suas qualidades, e que, portanto, eu deveria ser melhor em matéria de inteligência. Mas me enganei. Na escola, as notas maiores eram dele. E todas as namoradinhas, por consequência.

Chamava tanto a atenção para si que, na cidade, a mim dirigiam-se:
-Aquele é o amigo de Jonahtan. - Melhor assim, eu não gostava mesmo do meu nome.

Desde garotos, íamos sempre à praia nos feriados. Enquanto eu torrava lambuzado de areia, o meu antonímico companheiro praticava capoeira em saltos espetaculares que chamavam a atenção das garotas. E foi assim que eu conheci, me apaixonei e perdi Lindaura.

Lindaura era um anjo. Eu a vi primeiro. Jonahtan nem a notou. Eu tropecei ao vê-la, ela riu, brincou comigo, conversamos, rimos juntos e ela viu apenas a mim no primeiro dia.

No segundo dia, nos reencontramos. Rimos, chupamos picolés, fizemos brincadeiras de jovens enamorados. Eu me sentia como se o mundo fosse mais seguro, como se eu tivesse toda a vida sob controle. E foi por isso que, na saída da praia, resolvi descontar todas as diferenças entre mim e Jonahtan em uma só tacada.

- Conheci a garota mais linda da praia! Aliás, mais linda do mundo!
- Pegou?
- Praticamente...
- Não beijou!?
- Quase - engasguei.

Fui pra casa e não parei de pensar em Lindaura. Estava perdidamente apaixonado e não via a hora de voltar à praia.

No terceiro dia, entre um salto e outro, Jonahtan reparou Lindaura vindo ao meu encontro. Aproximou-se dela e deu os melhores saltos que sabia. Jonahtan voava e eu ia me afundando na areia ao perceber o encanto nos olhos dela. Com Jonahtan não houve "quase" nem "praticamente".

Por isso, planejei matar Jonahtan. Comecei apenas fantasiando, como se fosse um filme policial, depois aquele rancor foi tomando uma dimensão e saindo do meu controle. A fantasia ia se transformando em um plano perfeito. Um não, três.

Tudo deveria parecer acidental, eu era medroso demais para enfrentar uma investigação policial, e o amor declarado por Lindaura já entregaria a minha culpa. O primeiro era simples, maquinado com a participação de uma cobra perçonhenta que haveria de ser colocada na sua cama durante o sono. Fiquei atento e esperei pacientemente até encontrar a minha terrível arma. No fundo da Igreja Matriz havia muitas pedras e mato e era comum as cobras mostrarem a cara. Um dia, voltando pra casa, ouvi um farfalhar de folhas sêcas e encontrei uma cobra coral. Era perfeita. Peguei a serpente com uma forquilha de cabo longo, com um medo do mesmo tamanho da minha determinação. Guardei o bicho em um cesto e levei à noite para o quintal da casa de Jonahtan, que dormira cedo como de costume. A janela estava aberta, as noites eram muito quentes naquela época do ano. Passei delicadamente a forquilha pela janela e, posicionando a cobra sobre a cama, sacudi e deixei a coral cair ao seu lado. Corri como um louco, mergulhei na minha cama arfando e não dormi até a fatídica notícia vinda da minha mãe:

- Apareceu uma cobra ontem na cama de Jonahtan. O coitado levou um baita susto, mas a coral era falsa.

Eu tinha que saber da ordem das listras, eu tinha que entender algo mais das cobra. Mas taturana é bicho legítimo, não há no mundo imitação. E esse foi o segundo plano. Uma semana depois da falsa coral, à noite, postei uma taturana bem gorda no sapato daquele desgraçado.

No outro dia, eu já estava certo de precisar colocar o meu terno escuro. Jonahtan caiu de febre, mas, como era forte, saiu-se incólume e ainda gozou dos cuidados carinhosos de Lindaura.

O terceiro plano foi o mais perverso. Numa ensolarada tarde de sábado, quando costumávamos lanchar na praça, na venda de Seu Brito, bati manga misturada com leite e escondi na mochila. Me ofereci para entrar e pegar o nosso lanche e, sem que ninguém percebesse, troquei o suco pelo veneno. Foi um serviço vil e ardiloso, eu sei. No entanto, suspeitei que além de tudo Jonahtan devesse ter o corpo fechado. Ele não apenas nem se abateu como se deliciou com a iguaria.

Por isso que, depois desse dia, resolvi desistir da criminosa empreitada. Jonahtan haveria de perceber as minhas tentativas, e, se na sua ira resolvesse revidar, haveria de ser também um assassino mais competente que eu.


Obs: A foto foi tirada em Itaparica e me deu uma inveja danada por não saber voar.

3 comentários:

  1. mais moleque, me confortava a idéia da distribuição justa e natural das qualidades. só depois de muitos anos admiti a verdade. mas pôrra, por que vc escreve tão bem enquanto eu mal consigo comentar?

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  2. Pô véio!
    Manga com leite é muita malvadeza!!
    Arthur

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  3. Haja talento !!! Até o que poderia ser trágico, se torna poético.
    Bj, Anelise

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