terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Menino e o Vento (Série: Uma Foto por um Conto)


José não era muito diferente dos outros meninos da sua pequena cidade, mas o fato de estar quase sempre distante e isolado justificava-se pela sua entrega às coisas que o fascinavam de forma incomum. Por tempo demais, se perdia em pensamentos vazios, quando seu olhar se fixava nos pequenos fenômenos que procurava entender. Passava horas observando uma folha seca dançando ao vento. O dia ficava curto e quase não dava para brincar com outras crianças.

Na escola, o seu rendimento não era dos melhores. Quando se concentrava em algo, nada mais entrava na sua cabeça. Sua atenção estava sempre nas coisas mais corriqueiras, o que o deixava distante nas aulas. A professora já havia alertado a mãe de José sobre uma possibilidade de uma certa doença chamada autismo. A mãe ficou preocupada e sua preocupação passou a uma certa agressividade quando tentava repreender o menino dos seus momentos de desligamento do mundo necessário.

A sua brincadeira preferida sempre foi empinar arraia. Empinava apenas quando não havia outra sequer no céu. Não queria disputar, e sim observar a rabada trepidante e a dança suave do pequeno retângulo de papel colorido resistindo à força do vento. Ao menos, aos olhos da sua mãe aquilo era uma brincadeira de criança normal.

O fascínio pelo vôo não era assunto sobre altitude, mas sobre o desafio de navegar no vento. Das aves, lhe seduzia o momento pairante, com asas imóveis, abertas a oferecer resistência ao ar e à gravidade.

De tanto observar o vento, José tornou-se seu companheiro. Passou a ouvi-lo e conversar com ele, falava sobre o seu dia, sobre tudo o que achava mais interessante, sobre as painas macias que saiam de um cacho da árvore de flores brancas na frente da sua escola. O Vento era o único que se interessava por seus assuntos voláteis.

Antenor, o pai de José trabalhava numa velha fábrica da região que produzia sabão com óleo de dendê. Era um homem duro, prático e muito trabalhador. Julgava que o dinheiro que colocava em casa era o suficiente para que a família o devolvesse servidão e respeito. O menino guardava um certo medo do pai.

A fábrica de sabão não ia bem e Antenor foi demitido. Neste dia, bebeu demais, chegou em casa viu José sozinho, perdido nas suas conversas com o vento. Resmungou alguma coisa, entrou com violência na cozinha e teve uma dura discussão que culminou em um soco na mulher. A partir desse dia, essas noites conturbadas se fizeram comuns. As surras se estenderam ao menino e à sua irmã mais velha.

Sua mãe, ainda que o amasse muito, acabava devolvendo a sua raiva na forma cada vez mais agressiva de lidar com sua estranha mania de conversar com o vento. Um dia, explodiu ao ver José sentado na cisterna, com um leve sorriso, olhando profundamente para o vazio do quintal. Aquilo não cabia na sua vidinha infeliz e ela não suportava mais aquela mania do menino de viver em um mundo mais perfeito que o dela. Bateu em José com força e raiva. O menino se encolheu e ficou assim até que a tarde caísse. Temeu a chegada do pai e resolveu que não ia mais apanhar.

José subiu no Morro do Paxá, onde ficava o reservatório da cidade e fez o que sempre soube possível por conhecer o Vento mais do que qualquer outro menino. Do ponto mais alto, enfim, voou, dançando no ar como uma arraia sem linha. Passou por cima da cidade e ainda pôde ouvir o pai pela última vez:

- José, volte aqui, seu desgraçado!

Originalmente Publicado em 11/07/2009


Obs: Na foto, Pedrinho, meu filho. Que também brinca com o vento, mas é feliz nos dois mundos.

4 comentários:

  1. Esse texto foi maldade, para uma segunda de manhã! Fiquei com vontade de chorar... sacanagem.

    Ah traga Pedrinho para Busca Vida e sua máquina fotográfica também. Temos aves de todos os tipos para serem apreciadas, fora o sonho, hoje em tijolo e cimento, que construimos juntos.

    Beijos,

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  2. Pablito!

    Lindo, lindo demais este texto. Fiquei com ele aqui na cabeça, vamos ver se o meu lápis se anima a desenhar algo. A foto é mágica, e me deu muita vontade de ver o Pedro! Vamos ver para quando sai este encontro.
    Pelo menos os velhos têm se encontrado, vamos ver se programamos um que seja multigeracional.

    Beijos

    carla.

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  3. A foto está maravilhosa, dá pra sentir o vento...

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  4. Não sei o que mais me emocionou : se o texto, cheio de sentimentos ou se da foto de Peu, lindo e livre na dança com os pombos. Vamos nos ver mais , sentimos saudades...
    Bjs, Anelise, Dinho, Yasmin e Yana

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